O que a ciência diz sobre pessoas desorganizadas?

Há muitas pesquisas científicas que investigam por que a maioria das pessoas tem dificuldade em manter organização, tanto no ambiente físico (casa, trabalho) quanto mental (tarefas, tempo, prioridades). A explicação é multifatorial, envolvendo neurociência, psicologia cognitiva, psicologia comportamental e até fatores culturais e evolutivos. Vem dar uma olhada nesse artigo!

PSICOLOGIANEUROCIÊNCIA

Diego Jacferr

11/3/20254 min read

O que a ciência diz sobre as pessoas desorganizadasO que a ciência diz sobre as pessoas desorganizadas

Compartilhe esta publicação:

Por que a maioria das pessoas são desorganizadas, segundo a psicologia e neurociência?

🧠 1. Limitações cognitivas e o custo mental da organização

Um dos principais motivos é que organizar exige carga cognitiva — isto é, atenção, memória de trabalho, planejamento e autocontrole, funções executivas controladas pelo córtex pré-frontal dorsolateral.

Segundo estudos de Roy Baumeister e Daniel Kahneman, o cérebro humano tende a minimizar o esforço cognitivo (o chamado princípio da economia cognitiva).
Organizar exige:

  • Analisar o que deve ser guardado ou jogado fora

  • Criar categorias e sistemas

  • Antecipar futuras necessidades

  • Inibir impulsos de deixar “para depois”

➡️ Esse conjunto de operações é mentalmente custoso. Como resultado, o cérebro tende a preferir a opção mais fácil e imediata, que é não organizar agora.

🧩 2. O cérebro foi moldado para lidar com o caos, não com a ordem

Do ponto de vista evolutivo, a organização rígida é algo recente.
Durante milhões de anos, nossos ancestrais viveram em ambientes imprevisíveis, onde a prioridade era responder rapidamente a estímulos, não manter sistemas de controle abstratos.

A neurociência evolucionária mostra que o cérebro humano é reativo, não proativo por padrão.
Áreas subcorticais (como o sistema límbico) dominam comportamentos automáticos e imediatos, enquanto o planejamento racional (pré-frontal) é uma conquista mais recente — e, portanto, mais vulnerável à fadiga, ao estresse e à distração.

➡️ Em resumo: a desorganização é o estado “natural” do cérebro, e a organização é uma construção cultural e cognitiva.

⏳ 3. A sobrecarga de informação e a “fadiga de decisão”

Vivemos na era da sobrecarga informacional. Estudos de Daniel Levitin (2014) mostram que o cérebro humano moderno processa, em um único dia, mais informações do que um camponês medieval em toda a vida.

Cada escolha — até decidir onde guardar um papel — consome recursos mentais.
Esse fenômeno é conhecido como decision fatigue (fadiga de decisão), estudado por Baumeister e Tierney (2011).

Quando o cérebro se cansa, opta pelo caminho mais simples: adiar, acumular, evitar.

➡️ Por isso, muitas pessoas até conseguem começar a se organizar, mas não sustentam o hábito, pois o sistema cognitivo se esgota.

🧍‍♀️ 4. Diferenças individuais e traços de personalidade

Pesquisas em psicologia da personalidade (baseadas no modelo dos Big Five) mostram que o traço “conscienciosidade” (conscientiousness) é o principal preditor de organização.

  • Pessoas altas em conscienciosidade: disciplinadas, pontuais, orientadas a metas, mais organizadas.

  • Pessoas baixas em conscienciosidade: mais espontâneas, criativas, flexíveis — mas tendem à desordem.

Esse traço tem base genética e neurológica, associada a maior atividade no córtex pré-frontal lateral e orbitofrontal, regiões ligadas à regulação comportamental e controle de impulsos.

➡️ Em média, cerca de 60% da variabilidade da organização entre pessoas é atribuída a fatores de personalidade e hereditariedade (segundo estudos de Robert McCrae e Paul Costa).

🧩 5. A relação entre desorganização e criatividade

Curiosamente, a desorganização não é sempre negativa.
Pesquisas da Universidade de Minnesota (Vohs et al., Psychological Science, 2013) mostraram que ambientes desorganizados podem estimular pensamento criativo.

No experimento, pessoas colocadas em salas bagunçadas produziram ideias mais originais e não convencionais do que as colocadas em ambientes arrumados.

➡️ Interpretação: a desorganização reduz o controle cognitivo e aumenta a liberdade associativa, o que favorece a criatividade divergente.

Então, em certos contextos (arte, inovação, pesquisa científica), um grau de caos mental pode ser funcional.

⚖️ 6. A influência da dopamina e da motivação

Neuroquimicamente, a organização depende da regulação dopaminérgica.
A dopamina é o neurotransmissor da motivação e do foco, atuando nas vias mesolímbica e mesocortical.

Pessoas com baixa dopamina basal (ou com regulação instável) — como em casos de TDAH, fadiga crônica, ou altos níveis de estresse — têm dificuldade em iniciar tarefas que não dão recompensas imediatas, como “guardar as coisas”.

➡️ Organizar é uma tarefa de recompensa tardia, então o cérebro com baixa dopamina tende a evitá-la.

Esse mecanismo explica por que mesmo pessoas inteligentes e competentes podem ser cronicamente desorganizadas: não é falta de capacidade, mas de neuro-regulação.

🧠 7. A influência do estresse e da sobrecarga emocional

Quando o cérebro está sob estresse crônico, o córtex pré-frontal (responsável por planejamento e controle) reduz sua atividade, enquanto a amígdala (reatividade emocional) se intensifica.

Isso leva a:

  • Procrastinação

  • Dificuldade de priorizar

  • Tomada de decisão impulsiva

  • Falta de energia para manter rotinas

Estudos de neuroimagem (Arnsten, Nature Reviews Neuroscience, 2009) mostram que o estresse literalmente “desliga” o pré-frontal e ativa comportamentos automáticos.

➡️ Assim, quanto mais sobrecarregado emocionalmente o indivíduo, menos organizado ele será.

🧭 8. Fatores culturais e educacionais

Por fim, há o aspecto sociocultural.
Sistemas de ensino e famílias raramente ensinam habilidades de organização de forma explícita — parte-se do pressuposto de que “cada um se vira”.

Além disso, culturas individualistas e hiperestimuladas (como a ocidental moderna) valorizam o desempenho e a velocidade, mas não o processo de estruturação mental.

➡️ O resultado é que muitos adultos nunca desenvolveram estratégias metacognitivas para organizar pensamentos, tempo e espaço.

🔍 Principais referências científicas

  1. Baumeister, R. F., & Tierney, J. (2011). Willpower: Rediscovering the Greatest Human Strength.

  2. Kahneman, D. (2011). Thinking, Fast and Slow.

  3. Levitin, D. (2014). The Organized Mind: Thinking Straight in the Age of Information Overload.

  4. Vohs, K. D., et al. (2013). “Physical Order Produces Healthy Choices, Generosity, and Conventionality, Whereas Disorder Produces Creativity.” Psychological Science, 24(9).

  5. Arnsten, A. F. T. (2009). “Stress signalling pathways that impair prefrontal cortex structure and function.” Nature Reviews Neuroscience.

  6. McCrae, R. R., & Costa, P. T. (2008). The Five-Factor Theory of Personality.

🧩 Conclusão

A desorganização não é apenas uma questão de “falta de disciplina”.
Ela é o resultado natural da arquitetura cerebral humana, combinada com:

  • Limitações cognitivas

  • Fadiga de decisão

  • Diferenças de personalidade

  • Regulação dopaminérgica

  • Pressões emocionais e culturais

Ou seja, a desorganização é biologicamente compreensível, e a organização é um treinamento cognitivo deliberado — um hábito que precisa ser cultivado, não apenas desejado.

Sobre o autor:

Diego Jacferr é graduando em Psicologia pela Universidade Anhanguera - SP - Brasil.

Escreve artigos de divulgação científica com foco em psicologia e neurociência.

Compartilhe esta publicação:

Leia outros artigos